terça-feira, 30 de abril de 2013

Como derrotar Sherlock Holmes



Faz um tempo que eu vi um filme muito interessante, FROST/NIXON, de Ron Howard. Em 1977, o ex-presidente americano Richard Nixon aceitou dar uma entrevista ao media-man David Frost, entrevista essa na qual Frost tentaria explorar cada detalhe da corrupção de seu governo que havia acabado três anos antes, no único impeachment da história estadunidense. Era um duelo entre os dois, onde Frost tentou, e finalmente conseguiu, fazer com que Nixon admitisse os erros legais e éticos de seu mandato.

É engraçado ver certas diferenças entre certos personagens históricos. Nixon era corrupto, manipulando órgãos do poder para satisfazer seus objetivos. Sempre “pareceu estar com boas intenções”. “Manter-se no poder” é uma ótima intenção. E apesar de manter a cabeça erguida, o orgulho intacto e vociferar o papel de vítima durante seu impeachment, não segurou essa marra para sempre. O “Time Frost”, no filme, conta com um apaixonado ajudante interpretado por Sam Rockwell. Enquanto David Frost está nessa empreitada pela fama de “desmascarar um ‘crook’”, o personagem de Rockwell quer, no mínimo, “um pedido de desculpas”. E até o final do filme ele consegue isso: que Nixon pelo menos olhe para seu passado e admita que errou, que fez feio, que não é confiável, que erra e que é legitima a sua punição.

Não sei ao certo o quanto do filme é fato, mas pelo menos o personagem de Nixon do filme demonstrou um pouquinho de honra e hombridade, ao final do exaustivo debate, ao admitir seus pecados. Lembrando, Jesus Cristo começou seu ministério com a palavra “ARREPENDEI-VOS”.

Confesso que imediatamente me vi comparando a trajetória do filme não só à política brasileira, mas ao estilo brasileiro de tratar “críticas”. Aparentemente, a honra dos nossos líderes (e por consequência, do nosso povo) está mais ligada a “permanecer imbatível” do que a “admitir furos”. Não imagino nenhum líder recente da história brasileira admitindo atos de corrupção, nem mesmo frente à provas.


Recentemente assisti a espetacular minissérie britânica SHERLOCK, que reconta os contos de Sir Arthur Conan Doyle como se Sherlock Holmes, John Watson, James Moriarty, Mycroft e Lestrade fossem todos contemporâneos nossos, usuários de blogs, SMS, Wikipedia, computação avançada e sarcasmo extremo. E a arma de Sherlock, quando encontra um desafio, não é sua dedução sobrenatural, com a qual extrai detalhes reveladores sobre qualquer assunto, de qualquer pessoa. A arma é a verdade que ele percebe com a dedução, e é a verdade que usa contra seus algozes, que afrontados com os argumentos invencíveis dos fatos, admitem a derrota.

É engraçado que nenhum dos malfeitores de Sherlock Holmes negue os fatos. Confrontados com a verdade, não vêem saída a não ser cooperar. É engraçado que eu jamais vi isso no meu país.

Outro presidente americano, menos corrupto, mas não exatamente “menos ético”, ficou famoso também por negar e negar frente à evidências que ‘mancharam’ sua moral. Então não posso dizer que esse é um fenômeno da política exclusiva brasileira. Mas só de imaginar alguns líderes nossos, discutivelmente mais mentecaptos e historicamente pouco honestos, ali, frente à frente com David Frost, ou uma versão brasileira (Vamos pensar em um Davi Geladinho, por motivos puramente cômicos), o resultado não mudaria nunca.

Davi Geladinho inicia a entrevista com alguma anedota referente à história pessoal, alguma dificuldade notável na vida do entrevistado ex-líder da Nação, que é recebida com nostalgia e sorrisos. E no meio da narrativa de “como foi sobreviver àquela época terrível”, Geladinho estoca uma pergunta fulminante, indo direto ao ponto: aquele fato temeroso, muito pior do que ações que, em países sérios, teriam deposto um guarda de trânsito, realmente aconteceu? Você, o centro do poder, cabeça sobre inúmeros pescoços, permitiu, ordenou, arquitetou, executou tamanha falcatrua?

Gritos, berros, fúria. Ousaram questionar a estátua de moral que é o líder. É intriga, é invenção, é mentira, mentira, mentira. Como ousam. Eu vou embora. Essa entrevista acabou. E você, você vai pagar por isso, Davi. Não se tenta contra os deuses sem pagar um preço caro.

Já viu acontecer?

Sherlock Holmes não funcionaria aqui. Seu camarada, o oficial da polícia londrina/Interpol Lestrade seria o primeiro a segurá-lo dizendo “as coisas são assim” e “não adianta insistir”. “It’s Chinatown”, poderia até dizer.

It’s Brazil”. É um país onde o vilão do filme ensina políticos eleitos democraticamente sobre honra e dever.

Então, país, continue com o ensino atual sobre o que é honra, o que é verdade, o que é sucesso, o que é ambição, o que é status quo, e o quem seus filhos precisarão matar para continuar nesse status quo. Nossos líderes monstros são obra da nossa sociedade, da nossa cultura.

É elementar. 

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