segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Divertida Mente e Turma da Mônica - Lições - Mágica

O uniforme amarelo da Mônica importa.
Antes: Já foi assistir Divertida Mente? Já leu Turma da Mônica - Lições? Então pode continuar.
* SPOILERS *
O funcionamento de um truque de mágica, em todo truque de mágica, se resume a chamar a atenção das pessoas para uma coisa, um lado do palco, e, enquanto a atenção está lá, o mágico tem a liberdade de usar todo o resto do mundo para fazer o truque que quiser. Normalmente é espaço o suficiente para fazer um prédio sumir ou uma moeda sair da sua orelha. Não é só uma questão de esconder o truque. É uma questão de mexer com a expectativa do público. É perverter a lógica interna de todos ali. Aquilo é uma cartola vazia, logo, nada pode sair dali.
De uma forma muito similar, as artes narrativas (literatura, cinema, quadrinhos, teatro), precisam fazer isso o tempo todo.  Não é só uma questão de ter um “final surpresa”, mas sim uma “experiência surpresa”. Uma história precisa usar o seu universo cultural contra você próprio, de maneira a subverter expectativas. Precisa atrair você, talvez com uma premissa identificável e elementos comuns, para de repente puxar o tapete e jogar um balde de água. Precisa esconder de você elementos da história, informações, até mesmo elementos temáticos, para obter revelações calculadas e extrair de você aquela emoção com a qual esses contadores de história se alimentam.
É curioso como subestimamos tanto aquilo que  vem do universo infantil. Como achamos que aquilo não tem tanto a ver com a gente, adultos tão crescidos. Como achamos que aquilo não tem como nos surpreender.
Mesmo depois de ter visto quase 10 clássicos imortais criados pela Pixar (mais uns 3 filmes BACANAS (e uns dois ruins)), eu não deveria ter ido assistir Divertida Mente ainda pensando que as coisas serão como “qualquer desenho animado”. Claro, já esperava uma viagem extremamente madura sobre qualquer que seja o assunto central, já que a Pixar (com poucas excessões) sempre entregou isso com louvor. Mas o que eu não esperava era ter um revertério na própria estrutura da história.
Quase toda história vai colocando seu protagonista em situações cada vez mais tenebrosas. Joga o “herói” contra obstáculos mais e mais complicados. Isso é o crescendo dramático. O caminho ao climax. A tensão precisa ir aumentando, de maneira a prender você cada vez mais à cadeira. Mesmo que isso funcione, nós nunca deixamos de esperar que a resolução venha. “Tudo vai voltar a ser como antes”. E na enorme maioria das vezes, tudo de fato volta ao normal. Acabada a missão, o herói volta pra casa, provavelmente tendo aprendido algo sobre trabalhar em grupo, respeitar os animais, ou não invocar demônios tentaculares de outra dimensão.
Em Divertida Mente, ainda no meio do segundo ato, você já tem total certeza: isso aqui não vai voltar ao normal. Nunca. Essa criança nunca mais vai ser a mesma. Os eventos desse filme vão deixar cicatrizes. Na protagonista e em mim, pobre expectador. É irônico, já que uma definição que eu uso em aulas de cinema para “divisão entre atos” é “um evento ocorre, e as coisas não podem mais voltar a ser o que eram”. Mesmo assim, é muito difícil encontramos, numa história, algo que realmente nos envie para esse calabouço de desespero, o bom e velho “Putz. E agora?”. Só mesmo quando morre um Stark. Boas histórias deveriam fazer isso o tempo todo. Porque boas histórias são extensões simbólicas da nossa própria história de vida. E na nossa vida esse tipo de evento acontece pouco, certo?
Ao ler o excelente Turma da Mônica - Lições, dos irmãos Lu e Vitor Cafaggi, me deparei também com esse fenômeno. O quarteto eterno está lá, Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali, vivendo estripulias, causando desordem, quando eles tomam uma decisão. E essa decisão tem consequências. E todos sofrem com isso.
E naturalmente, tudo ia voltar ao normal. Tudo ia ficar bem. Eles iam acabar bem, como sempre acabam. A Mônica ia voltar a colocar o vestido vermelho clássico, ia deixar de usar esse uniforme amarelo, estranho, que usa durante quase a revista inteira. Acontece que os eventos se desenrolam, a história progride, e a revista vai acabando. E nada daquele confortável status quo voltar do limbo. Não só iludido pelas clássicas histórias da Turma da Mônica, que nunca tinham o objetivo de serem os estudos de personagem que essa série MSP 50 é, mas sim anedotas, piadas, aventuras fechadas. Mas também pelo que eu sempre espero de histórias envolvendo a infância. De que tudo vai acabar “bem”.
Mas o peso das aspas em “bem” é muito grande. Porque “bem” não é o status quo. Especialmente quando falamos da temática que está fluindo de Divertida Mente e de Turma da Mônica - Lições. “Crescer dói”, ouvi uma vez falarem. Um pastor tinha levado seu filho ao médico, por causa de dores leves no corpo. O diagnóstico foi simples e suscinto: crescer dói.
Crescer é difícil, uma afronta aos costumes e aos paradigmas que você acredita serem os pilares da Terra. Crescer é você entender que o ontem morreu. O ontem nunca mais vai voltar. Ao chegar num sábado, a sexta-feira evapora-se num oceano de memória, virando espuma. E como aprendemos com a Mônica, no final da revista, glória a Deus pelo sábado muito esperado. “Bem” é a sexta-feira não retornar. É termos as ilhas dos paradigmas internos serem esmigalhadas pela dor da realidade, e nos recuperarmos com um abraço. Não é deixarmos para trás aquilo que nos faz criança, mas entendermos que não é daquilo que viveremos dali para frente.
É um truque muito bonito. Fazer você pensar que aquela última ilha vai sobreviver. Fazer você pensar que o quarteto vai continuar junto para sempre. E aí uma palavra mágica. Um sutil movimento da mão. Lágrimas correm. O choque atinge. A catarse se completa. Você olha para trás, uma última vez, e vê de longe a memória sumindo, saudoso, e então vira sua cabeça para a única direção que realmente importa. Para frente.
E o coelho está fora da cartola.
Aplausos, Pixar. Aplausos, Irmãos Cafaggi.